A Falsa Identidade nos Registros: Como Lidar com Apontamentos Incorretos em Órgãos Públicos e Privados
A identificação correta e dados verdadeiros sobre uma pessoa física ou jurídica é um Direito Fundamental
A busca por transparência na sociedade moderna levou à democratização do acesso a informações sobre o histórico de indivíduos e empresas. A obtenção de certidões judiciais e consultas de background check tornaram-se rotineiras, sendo exigidas em processos de contratação, concessão de crédito e auditorias de compliance. Contudo, a facilidade de acesso a dados — que pode ser realizada por qualquer pessoa utilizando apenas nome, CPF ou RG — expõe o cidadão a um risco substancial: a homonímia e a consequente associação indevida a apontamentos judiciais ou cadastrais incorretos.
O Ecossistema de Dados: Público e Privado
A consulta de informações se estende por um vasto ecossistema. No âmbito público, o cidadão precisa verificar o histórico em diversas esferas: a Justiça Estadual (Cível e Criminal), a Justiça Federal, e varas especializadas (como as de Família). Qualquer apontamento incorreto em uma dessas esferas gera um histórico judicial falso.
Paralelamente, o setor privado — como birôs de crédito, plataformas de background check e instituições financeiras — coleta, processa e divulga essas mesmas informações. Um erro no registro público, ao ser copiado para a base de dados privada, multiplica o potencial de dano, limitando o acesso do indivíduo a serviços essenciais, mesmo que o dado já tenha sido corrigido na esfera original.
Exemplo Prático de Homonímia em Certidão Cível
O risco de homonímia é particularmente agudo em certidões que deveriam atestar a inexistência de processos. Imagine o caso de um indivíduo que, ao emitir sua Certidão de Distribuição Cível, identifica ações judiciais de natureza sensível, como guarda e pensão alimentícia, ou execuções.
• O Requerente, no entanto, é casado e não possui filhos, ou não tem vínculo algum com a execução financeira.
• Ao investigar, ele descobre que os processos pertencem a homônimos (pessoas com o mesmo nome completo ou parcial).
• Em uma das ações, é possível verificar que o CPF e o RG do réu são manifestamente diferentes dos seus documentos pessoais.
• Em outras, o sigilo de justiça impede a verificação completa, mas a natureza do processo é flagrantemente incompatível com a vida do consultado.
Esse simples erro de registro transforma um documento que deveria comprovar a idoneidade em uma prova falsa de litígio, o que pode ser utilizado por terceiros, com má-fé ou não, para causar sérios prejuízos.
As Consequências Práticas da Inexatidão
Uma certidão negativa de débitos ou antecedentes, manchada por erro, torna-se um obstáculo intransponível. Ter um registro falso em qualquer uma das esferas pode gerar impactos práticos imediatos e graves:
1. Restrições Comerciais e Financeiras: Recusa de crédito, inviabilização de parcerias empresariais e reprovação em processos de due diligence.
2. Dano à Imagem e Honra: Associações indevidas a litígios sensíveis (cíveis ou criminais) geram constrangimento social e profissional, manchando a reputação baseada em fatos inexistentes.
3. Dificuldade de Correção: A necessidade de buscar a retificação em múltiplas fontes (um tribunal, uma justiça especializada, um birô de crédito) transforma a correção de um erro em uma batalha burocrática.
O Caminho da Retificação: LGPD e Canais de Denúncia
A legislação brasileira é clara ao proteger o titular dos dados contra o uso de informações inexatas. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018) garante o direito de acesso, correção e eliminação de dados pessoais tratados de forma inadequada.
Ao identificar um apontamento incorreto em qualquer órgão público ou privado, o titular deve adotar as seguintes medidas formais:
1. Requerimento Administrativo no Órgão Original:
O primeiro passo é formalizar um requerimento de retificação diretamente no órgão que emitiu o registro primário (ex: Tribunal de Justiça). Este pedido deve ser formal, detalhando o erro e anexando provas da divergência (como cópias de documentos pessoais que comprovam que o processo não lhe pertence). O requerimento pode ser endereçado à ouvidoria ou ao setor responsável pela gestão de dados e certidões.
2. Contato com o Encarregado de Dados (DPO/LGPD):
Se o dado incorreto estiver sendo mantido por uma entidade privada (ex: um birô de crédito), o contato deve ser feito diretamente com o Encarregado de Dados (Data Protection Officer - DPO) da empresa, formalizando a solicitação de correção com base nos direitos garantidos pela LGPD, utilizando o canal de contato de LGPD disponibilizado pela instituição.
Conclusão
A facilidade de acesso à informação não pode se sobrepor ao direito fundamental à identidade correta. Em um cenário onde dados de diversas fontes (públicas e privadas) são cruzados, a vigilância do cidadão é crucial. A identificação de um apontamento falso exige uma resposta imediata e formalizada, utilizando os canais previstos na lei — seja o requerimento administrativo junto ao órgão gerador do dado, seja a notificação formal ao DPO da entidade privada que o utiliza, garantindo o exercício pleno do direito à retificação.



